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domingo, 3 de agosto de 2008

“O que queremos é ocupar nosso espaço e que, em vez de teoria, se parta para a prática”

O dia 25 de julho amanheceu ensolarado. Era o que precisavam todos os trabalhadores rurais para comemorar seu dia numa caminhada organizada pelo MST da entrada da cidade, na BR 235, até o centro, na Pça. Gal. Valadão. Essa caminhada faz parte de um programa nacional do MST em comemoração ao dia do trabalhador rural.

Com um atraso de três horas em relação ao horário marcado para o início, 8 horas da manhã, devido à espera dos ônibus que vinham de todo o Estado e até mesmo da Bahia, a passeata se deu de forma pacífica e alegre com todas as pessoas rindo e brincando.
Traziam faixas representando os pedidos que seriam entregues ao superintendente do INCRA, Jorge Tadeu Jatobá, que estava presente ao evento. Também compareceram o deputado Jackson Barreto e a secretária de Inclusão Social, Ana Lúcia.
Olhando de cima parecia um mar vermelho com suas camisetas e bandeiras no mesmo tom. “Cada família assentada envia um representante” diz Marcos Roberto, 27 anos, que reside com sua família em Jacaré Curituba, o maior assentamento da América Latina que fica entre Poço Redondo e Canindé do São Francisco, distante 213km da capital, “a família que não envia ninguém tem de contribuir com dez reais para ajudar na alimentação daqueles que vieram”, segue dizendo Marcos Roberto.

Símbolo de um movimento popular organizado, o MST faz dessa cobrança um incentivo para que todos participem, já que as famílias raramente querem desembolsar esse valor. Parece funcionar, já que havia cerca de 12 mil pessoas na manifestação.
Homens, mulheres e crianças, todos estavam com um sorriso em seus rostos, apesar do cansaço, reivindicando e reconhecendo seu direito de cidadãos de cobrar e exigir que lhes seja proporcionado um direito fundamental ao cidadão: o direito à moradia, como consta no art. 7º inciso IV da Constituição Federal e confiantes de que as 40 áreas vistoriadas, decretadas ou para emissão de posse sairão logo do papel para que eles conquistem seu espaço e possam caminhas com as próprias pernas. Francisco de Assis dos Santos, 31 anos, também morador do Jacaré Curituba, disse que “Para caminharmos sozinhos lá no assentamento o que precisa é dar continuidade às obras de irrigação que foram iniciadas em 2005. Estamos lá há 12 anos e desde que começaram essa obra com cinco setores implantados, apenas foi feito parte de um deles, o setor 0”
Essa região que fica no Alto Sertão. Sofre bastante com a seca fora da estação das chuvas e a irrigação é o fator principal para que os pequenos agricultores da região possam plantar e colher. De Assis, como prefere ser chamado, ainda reclama: “Se a empresa responsável não pode ou não quer terminar a obra que passe para quem queira e possa fazer” e é corroborado por Marcos que diz: “O que queremos é ocupar nosso espaço e que, em vez de teoria, se parta para a prática”.
Cansados, mas esperançosos de um dia vir a ter o tão sonhado pedaço de chão, às 16:20h todos os manifestantes terminaram a caminhada cantando o hino do MST com os braços erguidos e em uníssono: “o amanhã pertence a nós trabalhadores!”
O coordenador estadual do MST, João Daniel Somariva, após o término da passeata, concordou em ceder ao ISocial uma entrevista comentando os fatos que estão ocorrendo no cenário nacional, como o processo de criminalização, e também a situação de nosso Estado com relação à Reforma Agrária. Nessa entrevista o que buscamos foi trazer para o cenário e dar voz ao grupo dos trabalhadores rurais que, por muito tempo, esteve à margem, mesmo dele dependendo a sociedade para a sobrevivência e tentar incluí-lo socialmente.

Elaine Mesoli - Como você vê a abordagem da mídia em relação ao MST?
João Daniel - A mídia brasileira faz parte da classe dominante e que tem o MST como um inimigo porque lutamos pela democratização da terra, dentre outras reivindicações. Então, o grande partido da elite brasileira que comanda as idéias que fazem a opinião pública é ligado aos setores mais conservadores da sociedade.

EM - A mídia legitima o processo de criminalização que o MST vêm passando?
JD - Todos os movimentos na história de nosso país, que se proporam a fazer mudanças foram criminalizados e esmagados, como Canudos, a Guerra do Contestado, as Ligas Camponesas, a luta dos índios pela sua terra. Assim, isso não nos surpreende. O que nos preocupa é o Ministério Público porque ele assumiu uma posição totalmente contraditória com o seu papel, assumindo um compromisso de classe. Com a classe dos grandes empresários do agronegócio. E isso é uma posição que, para nós, é atrasadíssima e reacionária e nós esperamos que a sociedade organizada possa compreender do que está por trás essas questões no caso em especial do Rio Grande do Sul, mas também de vários outros Estados que também têm essas ações. Nós queremos que isso seja debatido na sociedade e acreditamos na derrota daqueles que querem conservar o poder sem a reivindicação de mudanças pelas minorias.
EM - Esses acontecidos no Rio Grande do Sul pode ser alguma manobra política , já que a maioria dos candidatos faz parte do grupo dos latifundiários?
JD - Não pensamos que tenha a ver com eleições, mas com uma situação que ocorre em alguns Estados. No caso do Rio Grande do Sul a luta pela terra ficou acirrada porque são terras boas e muito desenvolvidas. Desta forma, o agronegócio e as empresas capitalistas, assim como os governos de Antonio Brito, Germano Rigotto e Yeda Crusius, que representam esse grupo monopolizador da terra, colocam o Estado à disposição deles e das multinacionais de fomento. Por isso a luta no Rio Grande do Sul ficou dessa forma, em um constante pé de guerra. Os setores conservadores do campo continuam tendo influência através da mídia e do dinheiro e controlando a polícia. A Brigada Militar do RS, não raras vezes, vai aos acampamentos ameaçando e despejando e o preocupante é que agora possuem o aval do Ministério Público!
EM - A decisão do juiz do Pará que condenou o MST a pagar um montante de R$ 5,2 milhões pelo fechamento da rodovia foi considerada pelo MST mais um ato representativo do processo de criminalização?
JD - Sim, porque nossa luta no Estado do Pará é para resgatar as terras utilizadas pelas grandes empresas. A Vale do Rio Doce, depois que foi privatizada por Fernando Henrique Cardoso, passou a utilizar todos os recursos naturais existentes sem nenhum retorno para sociedade, as pessoas naquela região vivem miseravelmente, o desmatamento e a destruição do meio ambiente pela companhia atingem níveis alarmantes, sem nenhum controle por parte do Estado, que parece estar conivente, mesmo que a governadora do Estado, Ana Júlia, tenha uma origem trabalhadora, a estrutura continua a mesma. E, quanto ao governo federal, nós esperávamos uma posição mais firme da parte do Presidente Lula com relação a isso. Então, essa luta encampada nacionalmente é para apurar e auditorar o processo que a privatizou e conseguir sua reestatização. Nós iremos contestar a decisão desse juiz no Pará. Legalmente podemos perder, mas a Vale nunca irá receber e a luta continuará.

EM - Alguns integrantes do MST em manifestações agem de forma violenta e com atos de vandalismo. Que atitude o MST toma quando essas pessoas são identificadas?
JD - Na verdade o grande problema é que alguns atos que aparecem na grande mídia são alguns pequenos incidentes. Ninguém quer noticiar uma manifestação pacífica, mas se em algum momento houver algum problema entre os que estiverem presentes, acaba que a mídia centraliza esse fato. Então, não há extrapolamento de membros do MST, há situações em que ocorrem incidentes, até pela forma como somos recebidos. Existem também pessoas que não fazem parte do movimento e que acompanham a manifestação e em algum momento fazem baderna, com essas pessoas nós não podemos fazer nada porque não temos controle, mas quanto aos integrantes, se cometerem algum tipo de violência, que sejam legalmente punidos.

EM - Alguns trabalhadores que são assentados após algum tempo vendem estas terras. Existe algum controle para que isso não torne a ocorrer?
JD - Na verdade toda família assentada passa por um processo de cadastramento nacional pelo INCRA(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Segundo estudos da FAL (Força América Latina), dentro da situação humana, em um assentamento, bem como em um conjunto urbano, há uma normalidade nos primeiros cinco anos e uma saída de 20% daquela população. Nós temos uma avaliação de dados publicados pela ONU (Organização das Nações Unidas), que estão abaixo dessa percentagem. Quem sai do acampamento não pode vender o lote. Se houver a venda o INCRA pode retirar legalmente e a próxima família a ser colocada no local é escolhida pela comunidade dentro do cadastro. Em Sergipe temos, por exemplo, o assentamento de Santana dos Frades que é o primeiro assentamento do Estado e data de 1985. Lá existem 92 famílias e nenhuma saiu daquela área; já em Barra da Onça, outro assentamento em Poço Redondo, saiu 40%, mas analisando porque isso ocorreu percebemos que o acampamento foi legalizado em 1986 e de 1987 até 1991 essa região passou por um ciclo de poucas chuvas e o período político com os governos de Collor, Itamar e Fernando Henrique foram muito ruins. O de Itamar nem tanto, mas os demais não proporcionaram nenhuma condição habitacional e de crédito. Assim, é normal que numa situação de seca, falta de água para trabalhar e estrutura isso ocorra. As famílias que permaneceram lá estão em ótimas condições de vida entre os pequenos agricultores da região do alto sertão. Inclusive existe uma fábrica de laticínios que industrializa cerca de 123 mil litros de leite diariamente. Esse problema da venda de lote é por falta de controle dos governos estaduais e federal porque uma família só pode entrar com autorização do INCRA.

EM - Aqui no Estado o superintendente do INCRA, Jorge Tadeu Jatobá, diz que o governo demonstra compromisso com a Reforma Agrária. O que você tem a dizer sobre isso?
JD - No INCRA existe muitos problemas, estadual e nacionalmente, a grande questão é quanto aos projetos que estamos implantando em nosso país, onde a agricultura serve para exportação para garantir que tenhamos dólares para pagar juros, serviços e dívidas pública e privada de títulos que estão no exterior e são pagos através da exportação. O governo FHC aprovou uma lei criada pelo deputado federal do PSDB, Antônio Kandir, que isenta de impostos os produtos da exportação, nos últimos 4 anos além dessa isenção, o governo federal pagou em subvenção R$ 7 milhões em dinheiro subsidiado e adiantado para quem exporta. O que é um absurdo. Então, temos um judiciário conservador, um projeto de agricultura voltada para exportação e um projeto de Reforma Agrária que está como política compensatória para resolução de conflitos. Nós não temos um programa de Reforma Agrária, o mais recente foi do governo José Sarney em 1985 e não foi a frente porque os setores conservadores dentro e fora do governo impediram; agora no governo Lula elaboramos outro plano que ficou muito aquém do esperado pelos movimentos e, ainda assim, não foi implantado.A Reforma Agrária tem um problema, ela depende da sociedade brasileira e sua correlação com a luta e a força mobilizatória para que avance. No Estado não podemos dizer que o INCRA não tem vontade, não tem decisão. Entretanto, faltam recursos humanos, dinheiro, estrutura e equipamentos para poder avançar ainda mais. A legislação para avaliar uma fazenda de acordo com seu índice de produtividade que temos ainda é da época da ditadura e é através dele que qualquer fazenda justifica que é produtiva, mesmo sem gerar empregos e destruindo o meio ambiente. A nossa agricultura evoluiu e se modernizou, não parou em 1984.

EM - O MST é símbolo de uma luta popular organizada. Esse é um dos motivos para que as elites dominantes o caracterizem como um movimento de guerrilha?
JD - A elite brasileira nos compara com as FARC, o Sendero, o ETA e com qualquer grupo armado que não tenha apoio da sociedade e é uma forma de tentar desgastar nossa imagem, para nós esse discurso é normal. Ainda bem que a sociedade não aceita essa comparação, tanto que nos está apoiando. Esta torna-se, portanto, uma luta política que sempre terá enfrentamentos políticos e ideológicos.

EM - Como estão os projetos de Reforma Agrária em nosso Estado?
JD - Somos 8 mil famílias assentadas e 14 mil esperando em acampamentos. Esperando, lutando, plantando e despejadas. Temos cerca de 40 áreas vistoriadas, decretadas ou para emitir posse, contando com essas do alto sertão. O problema é que o processo é lento. Áreas pendentes judicialmente ou com falta de documentação temos cerca de 50.

EM - Essas áreas servirão para assentar quantas famílias?
JD - Se essas 40 áreas forem resolvidas assentaríamos entre 7 e 8 mil famílias

EM - Em comparação com o cenário nacional como está Sergipe com relação à Reforma Agrária?
JD - Por conta do governo do Estado estamos em melhores condições porque temos um convênio do governo com o INCRA. O que possibilita um repasse de dinheiro para que o governo compre terras para desapropriação. Terras improdutivas.
EM - O que o trabalhador rural tem a comemorar em seu dia, 25 de julho?
JD - Nossa grande comemoração é a luta conquistada. Para nós não é apenas a conquista da terra, da educação, do crédito. É a conquista de uma nova consciência de que a classe rural que foi desprezada e não teve acesso aos meios de produção, à educação, cultura e lazer. Esses trabalhadores começam a se constituir como classe e a compreender sua força e se formar enquanto identidade de classe.

2 comentários:

Tawany Paixão disse...

O negócio é continuar lutando né :)
Um beijo!
Ps: te linkei lá em LabirintoseDesencantos viu? ^^
;*

Rebeca Rocha disse...

essa luta tem que existir sempre.. só com persistência é que as mudanças aparecem :)
muito boa sua notícia e entrevista! Parabéns :)
beijãão :*