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domingo, 31 de agosto de 2008

Madonna, mito da indústria cultural

A próxima vinda de Madonna ao Brasil fez com que eu lembrasse de um ensaio sobre um livro feito há tempos atrás que coloco aqui para apreciação (ou não) de quem se dispuser a ler o tópico inteiro.

"Falar sobre Madonna parece ser tarefa fácil. Figura conhecida na mídia mundial, seu comportamento polêmico é sempre alvo de críticas, tanto favoráveis quanto desfavoráveis, e influência no comportamento social de jovens em todo o mundo desde os anos 80 do século passado.
Foi pensando nisso que Douglas Kellner decidiu levar esse fenômeno cultural da mídia para o campo acadêmico e estudá-lo no livro A Cultura da Mídia. E com total imparcialidade expõe de forma clara e objetiva todo o contexto do surgimento de Madonna, saindo dos conceitos “pró ou contra” e interpretando adequadamente sua obra, sua imagem e os efeitos que geraram.
Não foi por acaso que Madonna despertou seu interesse, fazendo com que dedicasse sua atenção à esse estudo. Madonna é um ídolo e, como tal, é formadora de opiniões. Basta que lance um novo trabalho e logo será seguida, reverenciada e principalmente criticada. Suas apresentações reúnem milhares de fãs em todo o mundo. E como estudioso do comportamento humano, Kellner se sentiu atraído pelos motivos e circunstâncias em que isso vem ocorrendo.
Em seu texto, Kellner mostra a influência de Madonna na cultura da sociedade e na moda, causando novos padrões comportamentais e identidades ao expressar sua rebeldia através de suas atitudes e roupas extravagantes, no intuito de subverter e ultrapassar os limites impostos pelo conservadorismo imperante, o escritor demonstra que Madonna conquista sua fama experimentando e construindo para si identidades diferentes e transformando-se sempre de acordo com as mudanças culturais que estavam acontecendo em todo o mundo.
Seu olhar científico percebe as estratégias de marketing feitas pela assessoria de Madonna, que produzia suas imagens e a cercava de publicidade, caracterizando-a como um sucesso da propaganda e estratégias de produção e merchadising.
Douglas Kellner divide a “estrela” Madonna em três diferentes e principais fases com toda a sua produção cultural e o impacto produzido no público entre a década de 80 e 90.
Na primeira, ela se mostra com uma imagem de forte apelo sexual conforme mostra o estudo dos primeiros clipes de Madonna feito por Kellner onde ela se apresenta como um objeto sexual, com uma vestimenta desafiadora do convencionalismo, legitimando sua personalidade irreverente e derrubando tabus nas relações da sexualidade inter-raciais, e aparecendo como uma garota fútil e “transgressora das normas estabelecidas”.
Na segunda fase ele retrata Madonna de uma maneira mais tradicional e romântica, convidando as mulheres a não se submeterem aos padrões masculinos que exploram e fantasiam as mulheres como objetos sexuais, ao mesmo tempo em que reafirma a posição feminina diante dos homens, porém sem abandonar a postura erótica. Tudo isso completamente dentro de uma ótica modernista.
Na terceira fase, Madonna segue em suas contradições e sua postura revolucionária sexual ultrapassando as fronteiras do sexualmente permissível em seus clipes e turnês. Já agora se pode notar que ela evoluiu de jovem irrequieta e provocante à uma mulher madura que sabe o que quer para satisfazer seus desejos.
A análise de Kellner é ainda mais aprofundada apresentando um texto em que insere os clipes de Madonna entre os conceitos modernista e pós-modernista, porém apenas como mais uma das estratégias de marketing de Madonna.
Modernista porque quer chocar o público com sua atuação e as personagens que permitem múltiplas interpretações, e pós-moderna somente em alguns sentidos, quando é muito difícil apreender suas reais intenções.
O texto de Kellner confirma o estereótipo que todos possuem de Madonna como uma garota fácil, materialista e sedutora, porém não como sua personalidade particular, mas como uma personagem.
É uma leitura muito agradável, não nos lembra que é um ensaio voltado para a comunidade acadêmica, possui linguagem direta e nos leva a conhecer um pouco mais sobre a sua obra fora do ponto de vista biográfico voltado aos fãs, como comumente vemos em bancas de jornal, pois sai do campo crítico ou promocional para entrar no de um observador que não tem sobre si o fato de ser ou não seu fã.
Faz-nos perceber que os atos transgressores de Madonna são calculados para abalar os conceitos morais vigentes e mostrar que a mulher é dona de sua própria vida e construtora de sua própria identidade.
Kellner termina sua obra de um modo brilhante e enfático desnudando diante de nossos olhos uma Madonna que não criou um estereótipo vulgar e sem sentido apenas com a intenção de chocar o público, mas de fazer com que se repense as convenções, cruzando limites e libertando-se das amarras do socialmente aceitável. Coloca-a ainda como extremamente contraditória, fato que permite muitas análises para apreensão desse fenômeno desafiador chamado Madonna.
É uma boa leitura, cativante sem ser pernóstica, e para quem nunca viu nenhum dos clipes de Madonna, as descrições que são feitas sobre eles nos deixa com vontade de ir em busca para ver se é verdadeira sua análise. É recomendável para fãs e para quem não lhe tem nenhuma apreciação também, para que possa percebê-la sobre uma nova ótica.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Uma pérola de inteligência!!!!

Avaliação na faculdade, curso de jornalismo.
Uma das questões era definir e explicar o que é "estandardização".
A aluna, deveras segura de que sabia o significado da palavra e o que queria dizer no contexto situado, responde:
"Estandardização é levantar a bandeira da indústria cultural!!!"
Claro que ela estava se portando como porta-estandarte da indústria cultural. E acabou confundindo estandarDização com estandarTização. Na verdade apenas a troca de uma letrinha insignificante, mas que faz uma diferença...

Gente!!!! E ainda estamos discutindo sobre a obrigatoriedade do diploma!!
Se na faculdade, em uma avaliação onde nos textos estudados essa palavra era inúmeras vezes repetida e explicada acontece isso, imagina se uma pessoa sem nenhuma formação se tornar jornalista. Onde a qualidade dos textos para uma informação mais apurada e embasada? Onde o direito da sociedade de que sejam pessoas capacitadas intelectualmente que disponibilizem o acesso à informação e à formação de opinião?

Pois é, meu país, vamos encampar essa luta! Ela não é apenas de nós, jornalistas, mas de cada um dos mais de 180 milhões de habitantes. Este é um direito conquistado a duras penas pela sociedade, portanto, exijam que ele seja cumprido!

domingo, 10 de agosto de 2008

JORNALISMO CULTURAL: UM JORNALISMO VOLTADO PARA O MERCADO


São vários os debates a respeito do jornalismo cultural. Quase todos os envolvidos se referem a uma crise entre o que ele deveria ser e o que está se tornando. Alguns, como J. S. Faro, interpretam o jornalismo feito atualmente nos cadernos de cultura como algo mais complexo e passível de reflexão e análise. Já outros, como Daniel Piza e Herom Vargas, falam constantemente em sintomas de uma crise de identidade onde os objetos da cultura foram alterados pelas tendências do mercado.
O que ocorre no jornalismo cultural de um país capitalista e globalizado como o nosso, com o acesso cada vez maior ao que acontece no mundo, a pressa e a necessidade de noticiar os acontecimentos, é que ele se fundiu à propaganda, afastando-se de seu papel que é, não só anunciar, mas comentar as obras lançadas em todos os segmentos e refletir sobre o contexto em que se dá o lançamento e o comportamento do público consumidor. Olavo de Carvalho nesse sentido é ainda mais taxativo dizendo que o jornalismo cultural aliou-se à propaganda e à política esquerdista utilizando-se de chavões que se sobrepõem à inteligência dos que o consomem.
O jornalismo feito da forma como se fazia há algumas décadas, com ensaios mais longos e reflexivos está cada vez mais segmentado e direcionado a um público mais refinado e com um maior poder aquisitivo. Não se interessa apenas pela tiragem de milhões de exemplares. O que aconteceu para que mudasse, e aqui cito um trecho de Fernando de Barros e Silva na revista Bravo!, é que “a cultura se fragmentou, se diversificou, foi pulverizada em guetos de consumo ou em estilos de vida, todos legitimamente representados nos mercados de bens culturais, mais aquecidos do que nunca”.
A cultura está cada vez mais inserida na sociedade do espetáculo, do consumo imediato, da superficialidade das abordagens, os cadernos culturais, na maioria das vezes, estiveram ligados à difusão da cultura consagrada e em processo de consagração. O jornalismo cultural dos últimos anos é basicamente sinônimo de agenda cultural com a preocupação de divulgar eventos supostamente culturais e as pautas são baseadas em releases das assessorias de imprensa. Em parte isso ocorre devido ao comprometimento com os anunciantes, o que parece dar razão ao que disse um magnata da imprensa inglesa citado pelo jornalista Carlos Brickmann que “Notícia é tudo que se usa para preencher o espaço entre os anúncios”. Essa afirmação podemos trazê-la para o jornalismo cultural contemporâneo e Brickmann vai além ao completar essa frase em o Jornal dos Jornais, a revista da imprensa, dizendo que o “jornalista é o sujeito que separa o joio do trigo, e publica o joio”.
Existem avaliações como as de que “o jornalismo cultural já foi melhor” e “não existe mais crítica”. A crítica existe, como se pode comprovar, ainda que na mídia segmentada. Se sua qualidade é boa, ou se a atividade jornalística cultural viveu melhores dias, cabe a cada leitor julgar. Hoje, porém, o sujeito cultural da era da cibercultura dispõe de uma larga oferta de websites de jornalismo cultural, quase todos independentes - ou seja, sem ligação com grupos de comunicação – e nessa área que recém começa a se consolidar não se fala em crise.
A discussão mais importante, porém, deve ser a de pensar em mecanismos que façam com que a cultura chegue a todas as camadas da população. Outro aspecto a ser considerado refere-se ao fato de que há um respeitável número de leitores interessados em jornalismo cultural de qualidade e, justamente por isso, os suplementos culturais estão entre as páginas mais lidas dos jornais. Sem esquecer que sempre haverá espaço para quem, com persistência, se dispuser a produzir bons conteúdos.
É verdade que as grandes publicações e autores de outros tempos têm hoje poucos equivalentes, mas também é fato que existem muitos, na área, com forte desejo de enveredar pelo jornalismo cultural. Porém, como ressalta Daniel Piza, os cadernos de cultura ainda são tratados pela grande imprensa como área do jornalismo que desempenha papel quase decorativo, quando, na verdade, sua importância é muito maior do que se imagina. Importância que vai desde a riqueza de temas até a sofisticação dos textos que podem (e devem) chegar aos leitores.
Sérgio Augusto de Andrade analisa o jornalismo cultural de uma forma bastante romântica e saudosista da “melhor tradição de nosso ensaísmo”. Entretanto, ele parece não perceber que houve uma mudança entre o jornalismo que ele fala e o contemporâneo, que utiliza uma linguagem também adaptada a essa nova estrutura mercadológica. E isso deve ser visto como algo inerente à atividade jornalística da era pós moderna.
O jornalismo cultural hoje sofre imensa pressão das assessorias, o que se chama o de serviço ao leitor, e a presença constante desse serviço, com uma cobertura extensiva da programação de transmissão dos eventos tidos como culturais seu endereço, valor do ingresso, horário da sessão, duração do evento etc., em detrimento da profundidade. A crítica limita-se a publicação de resenhas, enviadas por assessores de imprensa. A informação da localização é mais premente do que sua reflexão crítica. Daí a importância e necessidade da cobertura de uma agenda visando apenas o entretenimento e não o desenvolvimento crítico e intelectual do leitor.
Uma rápida aplicação das teorias do agendamento e do enfoque nos permite dizer que muitas vezes o jornalismo cultural trabalha a cultura mais como produto do que como processo cultural. Nesse sentido, vale lembrar que atualmente há uma relação intrincada do jornalismo cultural com a própria indústria cultural.
É interessante notar que com o processo de modernização da sociedade e de sua complexidade, observa-se também a complexidade e especialização dos cadernos culturais, que parecem, assim, atender a diversos gostos e interesses de uma sociedade plural, em um processo de segmentação onde, na prática das redações, assessorias de comunicação e de imprensa, divulgadores, representantes de gravadoras e de patrocinadores disputam a pauta.
Em nossos dias os grandes cadernos vivem sua crise alimentada da falsa noção de que sua importância se encerra na função de serviço, quando na verdade uma matéria jornalística é um produto cultural que se estende além, muito além, da vida de muitos jornais. O jornalismo cultural precisa sair do marasmo, voltar a assuntos que outrora foram importantes. A mesquinharia do mercado e do furo jornalístico não pode sufocar o que torna as páginas interessantes, que é a paixão pela cultura de forma ampla e ilimitada. E para que seja feito um bom jornalismo (não só o cultural) é necessário conhecimento a respeito do que vai ser dito e acima de tudo inteligência e sagacidade para chamar a atenção do leitor.
Existem avaliações como as de que “o jornalismo cultural já foi melhor” e “não existe mais crítica”. A crítica existe, como se pode comprovar, ainda que na mídia segmentada. Se sua qualidade é boa, ou se a atividade jornalística cultural viveu melhores dias, cabe a cada leitor julgar. Hoje, porém, o sujeito cultural da era da cibercultura dispõe de uma larga oferta de websites de jornalismo cultural, quase todos independentes - ou seja, sem ligação com grupos de comunicação – e nessa área que recém começa a se consolidar não se fala em crise.
A discussão mais importante, porém, deve ser a de pensar em mecanismos que façam com que a cultura chegue a todas as camadas da população. Outro aspecto a ser considerado refere-se ao fato de que há um respeitável número de leitores interessados em jornalismo cultural de qualidade e, justamente por isso, os suplementos culturais estão entre as páginas mais lidas dos jornais. Sem esquecer que sempre haverá espaço para quem, com persistência, se dispuser a produzir bons conteúdos.
É verdade que as grandes publicações e autores de outros tempos têm hoje poucos equivalentes, mas também é fato que existem muitos, na área, com forte desejo de enveredar pelo jornalismo cultural. Porém, como ressalta Daniel Piza, os cadernos de cultura ainda são tratados pela grande imprensa como área do jornalismo que desempenha papel quase decorativo, quando, na verdade, sua importância é muito maior do que se imagina. Importância que vai desde a riqueza de temas até a sofisticação dos textos que podem (e devem) chegar aos leitores.
Sérgio Augusto de Andrade analisa o jornalismo cultural de uma forma bastante romântica e saudosista da “melhor tradição de nosso ensaísmo”. Entretanto, ele parece não perceber que houve uma mudança entre o jornalismo que ele fala e o contemporâneo, que utiliza uma linguagem também adaptada a essa nova estrutura mercadológica. E isso deve ser visto como algo inerente à atividade jornalística da era pós moderna.
O jornalismo cultural hoje sofre imensa pressão das assessorias, o que se chama o de serviço ao leitor, e a presença constante desse serviço, com uma cobertura extensiva da programação de transmissão dos eventos tidos como culturais seu endereço, valor do ingresso, horário da sessão, duração do evento etc., em detrimento da profundidade. A crítica limita-se a publicação de resenhas, enviadas por assessores de imprensa. A informação da localização é mais premente do que sua reflexão crítica. Daí a importância e necessidade da cobertura de uma agenda visando apenas o entretenimento e não o desenvolvimento crítico e intelectual do leitor.
Uma rápida aplicação das teorias do agendamento e do enfoque nos permite dizer que muitas vezes o jornalismo cultural trabalha a cultura mais como produto do que como processo cultural. Nesse sentido, vale lembrar que atualmente há uma relação intrincada do jornalismo cultural com a própria indústria cultural.
É interessante notar que com o processo de modernização da sociedade e de sua complexidade, observa-se também a complexidade e especialização dos cadernos culturais, que parecem, assim, atender a diversos gostos e interesses de uma sociedade plural, em um processo de segmentação onde, na prática das redações, assessorias de comunicação e de imprensa, divulgadores, representantes de gravadoras e de patrocinadores disputam a pauta.
Em nossos dias os grandes cadernos vivem sua crise alimentada da falsa noção de que sua importância se encerra na função de serviço, quando na verdade uma matéria jornalística é um produto cultural que se estende além, muito além, da vida de muitos jornais. O jornalismo cultural precisa sair do marasmo, voltar a assuntos que outrora foram importantes. A mesquinharia do mercado e do furo jornalístico não pode sufocar o que torna as páginas interessantes, que é a paixão pela cultura de forma ampla e ilimitada. E para que seja feito um bom jornalismo (não só o cultural) é necessário conhecimento a respeito do que vai ser dito e acima de tudo inteligência e sagacidade para chamar a atenção do leitor.

domingo, 3 de agosto de 2008

“O que queremos é ocupar nosso espaço e que, em vez de teoria, se parta para a prática”

O dia 25 de julho amanheceu ensolarado. Era o que precisavam todos os trabalhadores rurais para comemorar seu dia numa caminhada organizada pelo MST da entrada da cidade, na BR 235, até o centro, na Pça. Gal. Valadão. Essa caminhada faz parte de um programa nacional do MST em comemoração ao dia do trabalhador rural.

Com um atraso de três horas em relação ao horário marcado para o início, 8 horas da manhã, devido à espera dos ônibus que vinham de todo o Estado e até mesmo da Bahia, a passeata se deu de forma pacífica e alegre com todas as pessoas rindo e brincando.
Traziam faixas representando os pedidos que seriam entregues ao superintendente do INCRA, Jorge Tadeu Jatobá, que estava presente ao evento. Também compareceram o deputado Jackson Barreto e a secretária de Inclusão Social, Ana Lúcia.
Olhando de cima parecia um mar vermelho com suas camisetas e bandeiras no mesmo tom. “Cada família assentada envia um representante” diz Marcos Roberto, 27 anos, que reside com sua família em Jacaré Curituba, o maior assentamento da América Latina que fica entre Poço Redondo e Canindé do São Francisco, distante 213km da capital, “a família que não envia ninguém tem de contribuir com dez reais para ajudar na alimentação daqueles que vieram”, segue dizendo Marcos Roberto.

Símbolo de um movimento popular organizado, o MST faz dessa cobrança um incentivo para que todos participem, já que as famílias raramente querem desembolsar esse valor. Parece funcionar, já que havia cerca de 12 mil pessoas na manifestação.
Homens, mulheres e crianças, todos estavam com um sorriso em seus rostos, apesar do cansaço, reivindicando e reconhecendo seu direito de cidadãos de cobrar e exigir que lhes seja proporcionado um direito fundamental ao cidadão: o direito à moradia, como consta no art. 7º inciso IV da Constituição Federal e confiantes de que as 40 áreas vistoriadas, decretadas ou para emissão de posse sairão logo do papel para que eles conquistem seu espaço e possam caminhas com as próprias pernas. Francisco de Assis dos Santos, 31 anos, também morador do Jacaré Curituba, disse que “Para caminharmos sozinhos lá no assentamento o que precisa é dar continuidade às obras de irrigação que foram iniciadas em 2005. Estamos lá há 12 anos e desde que começaram essa obra com cinco setores implantados, apenas foi feito parte de um deles, o setor 0”
Essa região que fica no Alto Sertão. Sofre bastante com a seca fora da estação das chuvas e a irrigação é o fator principal para que os pequenos agricultores da região possam plantar e colher. De Assis, como prefere ser chamado, ainda reclama: “Se a empresa responsável não pode ou não quer terminar a obra que passe para quem queira e possa fazer” e é corroborado por Marcos que diz: “O que queremos é ocupar nosso espaço e que, em vez de teoria, se parta para a prática”.
Cansados, mas esperançosos de um dia vir a ter o tão sonhado pedaço de chão, às 16:20h todos os manifestantes terminaram a caminhada cantando o hino do MST com os braços erguidos e em uníssono: “o amanhã pertence a nós trabalhadores!”
O coordenador estadual do MST, João Daniel Somariva, após o término da passeata, concordou em ceder ao ISocial uma entrevista comentando os fatos que estão ocorrendo no cenário nacional, como o processo de criminalização, e também a situação de nosso Estado com relação à Reforma Agrária. Nessa entrevista o que buscamos foi trazer para o cenário e dar voz ao grupo dos trabalhadores rurais que, por muito tempo, esteve à margem, mesmo dele dependendo a sociedade para a sobrevivência e tentar incluí-lo socialmente.

Elaine Mesoli - Como você vê a abordagem da mídia em relação ao MST?
João Daniel - A mídia brasileira faz parte da classe dominante e que tem o MST como um inimigo porque lutamos pela democratização da terra, dentre outras reivindicações. Então, o grande partido da elite brasileira que comanda as idéias que fazem a opinião pública é ligado aos setores mais conservadores da sociedade.

EM - A mídia legitima o processo de criminalização que o MST vêm passando?
JD - Todos os movimentos na história de nosso país, que se proporam a fazer mudanças foram criminalizados e esmagados, como Canudos, a Guerra do Contestado, as Ligas Camponesas, a luta dos índios pela sua terra. Assim, isso não nos surpreende. O que nos preocupa é o Ministério Público porque ele assumiu uma posição totalmente contraditória com o seu papel, assumindo um compromisso de classe. Com a classe dos grandes empresários do agronegócio. E isso é uma posição que, para nós, é atrasadíssima e reacionária e nós esperamos que a sociedade organizada possa compreender do que está por trás essas questões no caso em especial do Rio Grande do Sul, mas também de vários outros Estados que também têm essas ações. Nós queremos que isso seja debatido na sociedade e acreditamos na derrota daqueles que querem conservar o poder sem a reivindicação de mudanças pelas minorias.
EM - Esses acontecidos no Rio Grande do Sul pode ser alguma manobra política , já que a maioria dos candidatos faz parte do grupo dos latifundiários?
JD - Não pensamos que tenha a ver com eleições, mas com uma situação que ocorre em alguns Estados. No caso do Rio Grande do Sul a luta pela terra ficou acirrada porque são terras boas e muito desenvolvidas. Desta forma, o agronegócio e as empresas capitalistas, assim como os governos de Antonio Brito, Germano Rigotto e Yeda Crusius, que representam esse grupo monopolizador da terra, colocam o Estado à disposição deles e das multinacionais de fomento. Por isso a luta no Rio Grande do Sul ficou dessa forma, em um constante pé de guerra. Os setores conservadores do campo continuam tendo influência através da mídia e do dinheiro e controlando a polícia. A Brigada Militar do RS, não raras vezes, vai aos acampamentos ameaçando e despejando e o preocupante é que agora possuem o aval do Ministério Público!
EM - A decisão do juiz do Pará que condenou o MST a pagar um montante de R$ 5,2 milhões pelo fechamento da rodovia foi considerada pelo MST mais um ato representativo do processo de criminalização?
JD - Sim, porque nossa luta no Estado do Pará é para resgatar as terras utilizadas pelas grandes empresas. A Vale do Rio Doce, depois que foi privatizada por Fernando Henrique Cardoso, passou a utilizar todos os recursos naturais existentes sem nenhum retorno para sociedade, as pessoas naquela região vivem miseravelmente, o desmatamento e a destruição do meio ambiente pela companhia atingem níveis alarmantes, sem nenhum controle por parte do Estado, que parece estar conivente, mesmo que a governadora do Estado, Ana Júlia, tenha uma origem trabalhadora, a estrutura continua a mesma. E, quanto ao governo federal, nós esperávamos uma posição mais firme da parte do Presidente Lula com relação a isso. Então, essa luta encampada nacionalmente é para apurar e auditorar o processo que a privatizou e conseguir sua reestatização. Nós iremos contestar a decisão desse juiz no Pará. Legalmente podemos perder, mas a Vale nunca irá receber e a luta continuará.

EM - Alguns integrantes do MST em manifestações agem de forma violenta e com atos de vandalismo. Que atitude o MST toma quando essas pessoas são identificadas?
JD - Na verdade o grande problema é que alguns atos que aparecem na grande mídia são alguns pequenos incidentes. Ninguém quer noticiar uma manifestação pacífica, mas se em algum momento houver algum problema entre os que estiverem presentes, acaba que a mídia centraliza esse fato. Então, não há extrapolamento de membros do MST, há situações em que ocorrem incidentes, até pela forma como somos recebidos. Existem também pessoas que não fazem parte do movimento e que acompanham a manifestação e em algum momento fazem baderna, com essas pessoas nós não podemos fazer nada porque não temos controle, mas quanto aos integrantes, se cometerem algum tipo de violência, que sejam legalmente punidos.

EM - Alguns trabalhadores que são assentados após algum tempo vendem estas terras. Existe algum controle para que isso não torne a ocorrer?
JD - Na verdade toda família assentada passa por um processo de cadastramento nacional pelo INCRA(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Segundo estudos da FAL (Força América Latina), dentro da situação humana, em um assentamento, bem como em um conjunto urbano, há uma normalidade nos primeiros cinco anos e uma saída de 20% daquela população. Nós temos uma avaliação de dados publicados pela ONU (Organização das Nações Unidas), que estão abaixo dessa percentagem. Quem sai do acampamento não pode vender o lote. Se houver a venda o INCRA pode retirar legalmente e a próxima família a ser colocada no local é escolhida pela comunidade dentro do cadastro. Em Sergipe temos, por exemplo, o assentamento de Santana dos Frades que é o primeiro assentamento do Estado e data de 1985. Lá existem 92 famílias e nenhuma saiu daquela área; já em Barra da Onça, outro assentamento em Poço Redondo, saiu 40%, mas analisando porque isso ocorreu percebemos que o acampamento foi legalizado em 1986 e de 1987 até 1991 essa região passou por um ciclo de poucas chuvas e o período político com os governos de Collor, Itamar e Fernando Henrique foram muito ruins. O de Itamar nem tanto, mas os demais não proporcionaram nenhuma condição habitacional e de crédito. Assim, é normal que numa situação de seca, falta de água para trabalhar e estrutura isso ocorra. As famílias que permaneceram lá estão em ótimas condições de vida entre os pequenos agricultores da região do alto sertão. Inclusive existe uma fábrica de laticínios que industrializa cerca de 123 mil litros de leite diariamente. Esse problema da venda de lote é por falta de controle dos governos estaduais e federal porque uma família só pode entrar com autorização do INCRA.

EM - Aqui no Estado o superintendente do INCRA, Jorge Tadeu Jatobá, diz que o governo demonstra compromisso com a Reforma Agrária. O que você tem a dizer sobre isso?
JD - No INCRA existe muitos problemas, estadual e nacionalmente, a grande questão é quanto aos projetos que estamos implantando em nosso país, onde a agricultura serve para exportação para garantir que tenhamos dólares para pagar juros, serviços e dívidas pública e privada de títulos que estão no exterior e são pagos através da exportação. O governo FHC aprovou uma lei criada pelo deputado federal do PSDB, Antônio Kandir, que isenta de impostos os produtos da exportação, nos últimos 4 anos além dessa isenção, o governo federal pagou em subvenção R$ 7 milhões em dinheiro subsidiado e adiantado para quem exporta. O que é um absurdo. Então, temos um judiciário conservador, um projeto de agricultura voltada para exportação e um projeto de Reforma Agrária que está como política compensatória para resolução de conflitos. Nós não temos um programa de Reforma Agrária, o mais recente foi do governo José Sarney em 1985 e não foi a frente porque os setores conservadores dentro e fora do governo impediram; agora no governo Lula elaboramos outro plano que ficou muito aquém do esperado pelos movimentos e, ainda assim, não foi implantado.A Reforma Agrária tem um problema, ela depende da sociedade brasileira e sua correlação com a luta e a força mobilizatória para que avance. No Estado não podemos dizer que o INCRA não tem vontade, não tem decisão. Entretanto, faltam recursos humanos, dinheiro, estrutura e equipamentos para poder avançar ainda mais. A legislação para avaliar uma fazenda de acordo com seu índice de produtividade que temos ainda é da época da ditadura e é através dele que qualquer fazenda justifica que é produtiva, mesmo sem gerar empregos e destruindo o meio ambiente. A nossa agricultura evoluiu e se modernizou, não parou em 1984.

EM - O MST é símbolo de uma luta popular organizada. Esse é um dos motivos para que as elites dominantes o caracterizem como um movimento de guerrilha?
JD - A elite brasileira nos compara com as FARC, o Sendero, o ETA e com qualquer grupo armado que não tenha apoio da sociedade e é uma forma de tentar desgastar nossa imagem, para nós esse discurso é normal. Ainda bem que a sociedade não aceita essa comparação, tanto que nos está apoiando. Esta torna-se, portanto, uma luta política que sempre terá enfrentamentos políticos e ideológicos.

EM - Como estão os projetos de Reforma Agrária em nosso Estado?
JD - Somos 8 mil famílias assentadas e 14 mil esperando em acampamentos. Esperando, lutando, plantando e despejadas. Temos cerca de 40 áreas vistoriadas, decretadas ou para emitir posse, contando com essas do alto sertão. O problema é que o processo é lento. Áreas pendentes judicialmente ou com falta de documentação temos cerca de 50.

EM - Essas áreas servirão para assentar quantas famílias?
JD - Se essas 40 áreas forem resolvidas assentaríamos entre 7 e 8 mil famílias

EM - Em comparação com o cenário nacional como está Sergipe com relação à Reforma Agrária?
JD - Por conta do governo do Estado estamos em melhores condições porque temos um convênio do governo com o INCRA. O que possibilita um repasse de dinheiro para que o governo compre terras para desapropriação. Terras improdutivas.
EM - O que o trabalhador rural tem a comemorar em seu dia, 25 de julho?
JD - Nossa grande comemoração é a luta conquistada. Para nós não é apenas a conquista da terra, da educação, do crédito. É a conquista de uma nova consciência de que a classe rural que foi desprezada e não teve acesso aos meios de produção, à educação, cultura e lazer. Esses trabalhadores começam a se constituir como classe e a compreender sua força e se formar enquanto identidade de classe.