Sempre estive sozinha. A solidão é companheira fiel desde minha infância. Sempre tentei fugir dela comprando livros e mais livros. Geralmente aqueles romances açucarados que podiam ser encontrados em qualquer banca de jornal. Passava as noites lendo-os, apenas com a réstia de luz do hall do apartamento que chegava até a cama. Minha mãe ralhava, ameaçava bater, apagava a luz tirava-me o livro das mãos. Mal sabia ela que eu possuía um estoque embaixo do colchão. Logo depois meu pai levantava, levava-me ao banheiro, dava água e deixava a luz acesa.
- Você estraga essa menina! Ler no escuro faz mal pras vistas, por isso que ela está assim, cega! Você mima demais! - dizia minha mãe.
- Deixa a menina! Se ela quer ler, o que é que tem? - retrucava meu pai.
- Ela passa a noite acordada. De manhã não quer acordar. Preguiçosa, é isso que ela é! - continuava Dona Léo, incansável.
- Deixa dormir. Pelo menos não fica na rua aprendendo o que não presta e a gente sabe onde está - retrucava "seu" Mesquita, sempre em minha defesa.
Homem de poucas palavras, analfabeto, que ainda hoje me faz atendê-lo somente com um olhar ou um assobio. Fazia quase tudo o que eu queria, só negava quando era pra ensinar que na vida não conseguiria sempre tudo o que eu desejasse. Só o que me pedia em troca era que não fizesse "coisa errada", que tivesse "disciplina", estudasse muito e o obedecesse, senão o "couro comia". Nunca o desafiei, nunca o desobedeci, nunca apanhei dele. A obediência era um preço baixo a pagar por todas as regalias que ele me dava. É muito fácil atendermos a quem amamos.
Mas voltando aos romances, acho que minha mãe estava certa em reclamar de minhas leituras da madrugada. Troquei o dia pela noite, coisa que até hoje me causa problemas, e vivo idealizando um romance ideal como nos livros. As letrinhas e histórias folhetinescas me fascinavam tanto que tornei-me jornalista e contista amadora sem talento.
E a solidão sempre presente. Única criança negra numa escola particular, classe média alta no início dos anos 1980, nunca tive amigos. Mesmo em casa, sempre fui a "neguinha", deixada de lado e pronta para fazer os mandados da família.
- Elaine, corre, vai comprar chup chup que eu te dou um! - dizia uma das irmãs mais velhas.
- Elaine, vai limpar o quintal! - dizia a outra irmã, mesmo tendo empregadas em casa e eu tendo somente sete anos de idade e morando num apartamento térreo.
- Pede pra "macaca" ir buscar cerveja na padaria pra mim - dizia meu cunhado, longe do meu pai. Todos riam. Eu odiava que me chamasse assim, mas nunca reclamei. Para quê? Não iria adiantar de nada. Minha mãe mesmo, quando uma de suas amigas ouvia uma dessas ofensas e criticava, dizia "Tem problema não. Ela não liga". E lá saía eu pro último andar chorar escondida.
Todos diziam que eu era feia, que parecia uma macaca mesmo, por causa da cor, herdada dos ancestrais negros e índios, e do cabelo "ruim", "pixaim". "Não sei porque essa menina tem esse cabelo", lamentavam meus familiares. Com tanta feiura, o jeito era me destacar de alguma forma. Então eu estudava. Lia tudo que me caísse nas mãos, fazia palavras cruzadas, quebra cabeças, jogos de estratégia. Era sempre uma das melhores alunas da escola. E isso me angariava amizades. Falsas, interessadas na cola que eu passava, mas fazia com que eu me sentisse menos só, mais querida.
Fui crescendo, tornei-me adolescente, me apaixonei. Construí castelos que fui vendo desmoronar tijolo a tijolo. Achava que a culpa era minha. Me faziam acreditar que era. Pra compensar a solidão e a frustração de não ter quem amava, namorava e ficava com quem me desse vontade. Não deu certo, sempre voltava pra casa sozinha. Foi quando conheci o Marcos. Ele quis casar comigo. Fomos morar juntos. Depois de dois anos vi que não era aquilo que eu queria. Não havia entendimento, gostos em comum, diálogo e eu continuava só. Suportei mais três anos e separei.
Vim pra Aracaju e encontrei Roberto, antigo namorado da adolescência. Estava casado. Eu não quis saber dele. Três dias depois ele bate na minha porta. Havia separado, queria casar comigo. Me senti querida, desejada, amada e lá fui eu de novo. Depois de três anos os mesmos problemas. Nada de compatibilidade, muitas bebedeiras, ciúme excessivo, proibições disso e daquilo, e eu buscando refúgio em outros olhares, outros lugares. E assim permaneci. Achando que não tinha jeito. Mas o amor dele não foi suficiente pra compensar tudo que tinha de suportar. Não foi suficiente pra espantar a solidão. E eu me apaixonei.
Pela segunda vez na vida me apaixonei. E resolvi me separar. Viver essa paixão. Aqueles malditos romances ainda estavam na minha cabeça. E eu acreditei que, enfim, havia chance para mim. Mas qual nada, continuo só.
- Deixa a menina! Se ela quer ler, o que é que tem? - retrucava meu pai.
- Ela passa a noite acordada. De manhã não quer acordar. Preguiçosa, é isso que ela é! - continuava Dona Léo, incansável.
- Deixa dormir. Pelo menos não fica na rua aprendendo o que não presta e a gente sabe onde está - retrucava "seu" Mesquita, sempre em minha defesa.
Homem de poucas palavras, analfabeto, que ainda hoje me faz atendê-lo somente com um olhar ou um assobio. Fazia quase tudo o que eu queria, só negava quando era pra ensinar que na vida não conseguiria sempre tudo o que eu desejasse. Só o que me pedia em troca era que não fizesse "coisa errada", que tivesse "disciplina", estudasse muito e o obedecesse, senão o "couro comia". Nunca o desafiei, nunca o desobedeci, nunca apanhei dele. A obediência era um preço baixo a pagar por todas as regalias que ele me dava. É muito fácil atendermos a quem amamos.
Mas voltando aos romances, acho que minha mãe estava certa em reclamar de minhas leituras da madrugada. Troquei o dia pela noite, coisa que até hoje me causa problemas, e vivo idealizando um romance ideal como nos livros. As letrinhas e histórias folhetinescas me fascinavam tanto que tornei-me jornalista e contista amadora sem talento.
E a solidão sempre presente. Única criança negra numa escola particular, classe média alta no início dos anos 1980, nunca tive amigos. Mesmo em casa, sempre fui a "neguinha", deixada de lado e pronta para fazer os mandados da família.
- Elaine, corre, vai comprar chup chup que eu te dou um! - dizia uma das irmãs mais velhas.
- Elaine, vai limpar o quintal! - dizia a outra irmã, mesmo tendo empregadas em casa e eu tendo somente sete anos de idade e morando num apartamento térreo.
- Pede pra "macaca" ir buscar cerveja na padaria pra mim - dizia meu cunhado, longe do meu pai. Todos riam. Eu odiava que me chamasse assim, mas nunca reclamei. Para quê? Não iria adiantar de nada. Minha mãe mesmo, quando uma de suas amigas ouvia uma dessas ofensas e criticava, dizia "Tem problema não. Ela não liga". E lá saía eu pro último andar chorar escondida.
Todos diziam que eu era feia, que parecia uma macaca mesmo, por causa da cor, herdada dos ancestrais negros e índios, e do cabelo "ruim", "pixaim". "Não sei porque essa menina tem esse cabelo", lamentavam meus familiares. Com tanta feiura, o jeito era me destacar de alguma forma. Então eu estudava. Lia tudo que me caísse nas mãos, fazia palavras cruzadas, quebra cabeças, jogos de estratégia. Era sempre uma das melhores alunas da escola. E isso me angariava amizades. Falsas, interessadas na cola que eu passava, mas fazia com que eu me sentisse menos só, mais querida.
Fui crescendo, tornei-me adolescente, me apaixonei. Construí castelos que fui vendo desmoronar tijolo a tijolo. Achava que a culpa era minha. Me faziam acreditar que era. Pra compensar a solidão e a frustração de não ter quem amava, namorava e ficava com quem me desse vontade. Não deu certo, sempre voltava pra casa sozinha. Foi quando conheci o Marcos. Ele quis casar comigo. Fomos morar juntos. Depois de dois anos vi que não era aquilo que eu queria. Não havia entendimento, gostos em comum, diálogo e eu continuava só. Suportei mais três anos e separei.
Vim pra Aracaju e encontrei Roberto, antigo namorado da adolescência. Estava casado. Eu não quis saber dele. Três dias depois ele bate na minha porta. Havia separado, queria casar comigo. Me senti querida, desejada, amada e lá fui eu de novo. Depois de três anos os mesmos problemas. Nada de compatibilidade, muitas bebedeiras, ciúme excessivo, proibições disso e daquilo, e eu buscando refúgio em outros olhares, outros lugares. E assim permaneci. Achando que não tinha jeito. Mas o amor dele não foi suficiente pra compensar tudo que tinha de suportar. Não foi suficiente pra espantar a solidão. E eu me apaixonei.
Pela segunda vez na vida me apaixonei. E resolvi me separar. Viver essa paixão. Aqueles malditos romances ainda estavam na minha cabeça. E eu acreditei que, enfim, havia chance para mim. Mas qual nada, continuo só.
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